domingo, 29 de agosto de 2010

I-n-c-o-n-f-e-s-s-á-v-e-i-s (o que os pais pensam, mas não têm coragem de dizer)

Tenho uma amiga, amiga de verdade, que me disse um dia desses — como se formulasse uma teoria a respeito — que o pai é dispensável na formação dos filhos. Por filhos, entenda-se apenas meninos, pois tratávamos dos meus e do dela.
Fiquei ofendido. Claro. Mesmo sabendo que, no fundo, ela apenas estava se referindo à sua experiência com o bunda-mole do “pai” do seu menino.
E disse mais: afirmou categoricamente que o exemplo natural de masculinidade que o pai costuma oferecer aos meninos (ela deve ter lido aquele livro “Criando...”) poderia “muito bem” ser dado pelo avô, pelo professor de natação, pelo tio-estudante e por alguns bons amigos.
Evidentemente ela estava tentando me agradar ao me incluir entre os amigos que poderiam “servir de exemplo” para o seu filho.
Deveria ter deixado pra lá e me contentado com a concessãozinha que ela me fez em nome de nossa amizade.
Mas... confesso que não consegui me conter. Ela havia passado dos meus limites.
Acho que de um jeito meio agressivo acabei respondendo que até acharia normal se ela externasse seu sentimento de culpa e sua frustração por ter escolhido um imbecil como pai de seu filho. Falei que seria muito mais fácil para mim tentar consolá-la dizendo que não há culpa nesses casos e que, talvez, o imbecil pudesse ser ungido retardadamente pela paternidade ou então, se nem os anos o fizessem mais responsável, o merda pelo menos serviria de péssimo exemplo para o rapaz que seu filho haveria de ser.
Agora não podia aceitar que ela dissesse uma bobagem daquelas. Uma estupidez, uma grosseria gratuita não só comigo, mas também com outros pais amigos nossos.
Devia ter encerrado por aí, calado a boca. Mas como minha esposa não estava comigo, concluí dizendo que não teria dito uma única palavra, sequer teria feito piada de sua tese estúpida, se o resultado de tudo isso não fosse uma baita injustiça praticada por ela contra seu próprio filho, pois é visível que o menino “procura o pai” em cada homem que dele se aproxima, revelando uma carência de dar dó.
Ela encheu os olhos d’água, ficou profundamente magoada e sumiu da vida da gente.

Minha esperança é que ela leia essa postagem (ou alguém leia para ela), reflita e volte.

domingo, 22 de agosto de 2010

Dizer o contrário do que se quer falar

Ontem, quando já estava deitado pra dormir, o João Pedro e o Antônio vieram me mostrar os guerreiros de playmobil que eles tinham montado. Dois cavaleiros bem armados. O do João evidentemente muito mais bonito e equilibrado do que o cavaleiro do Antônio.
Mas foi o Antônio quem me perguntou: "Papai, qual é o mais bonito?".
Enquanto pensava numa resposta que atendesse às expectativas dos dois, o João Pedro piscou pra mim e disse: "Nenê, claro que é o seu".
E então os dois foram escovar os dentes, felizes e satisfeitos.

Intrigado com a resposta do João e achando que ele pudesse tê-la entabulado só para agradar seu irmão mais novo (num arroubo de bondade), chamei-o logo depois e perguntei por qual motivo ele tinha falado aquilo. No fundo, só queria confirmar minha suspeita e, de quebra, arrumar um pretexto para mais uma postagem por aqui.
"Ah, papai, eu disse que o dele era o mais bonito porque senão ele ia querer o meu guerreiro".

Peraí, pensei com os meus botões: o João sabendo que o seu hominho era o mais bonito e percebendo que eu também sabia disso fez um sinal para que eu ficasse quieto de forma que ele pudesse dizer ao Antônio o que ele gostaria de ouvir produzindo, simultanemanente, a satisfação de seu irmão e o resultado que ele desejou (ficar com seu próprio playmobil).
Isso é astúcia, não é?
Esse moleque deve estar assistindo o Chaves, "el chavo del ocho", porque em casa somos todos bobalhões. Só pode ser coisa da televisão.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Intra-uterinas (memórias de fora pra dentro da barriga)

Como imaginávamos, tiramos de letra... na verdade, você tirou de letra a tal da translucência nucal. Imensa emoção.

Como eu lhe disse, estávamos tensos e sua mãe muito ansiosa. Cheguei um minuto depois do horário marcado: exatamente 15:21 h. Sua mãe já havia deixado uma outra gestante ser atendida na sua frente para que pudéssemos entrar juntos na sala.

A razão de toda essa tensão você já sabe: hoje iríamos fazer exames para identificar (ou não) má formação.

Acontece que depois de ter conversado contigo, na madrugada, acho que fiquei mais tranqüilo. Tive dificuldades em pegar no sono, mas pude acordar sereno e sem receios. Assim cheguei ao consultório: confiante.

Na ante-sala, enquanto sua mãe aguardava o momento em que seria chamada com as mãos geladas e o coração arrochado, eu ia ficando cada vez menos apreensivo.

Até que, finalmente, pudemos lhe ver na tela da televisão na qual a ecografia é transmitida. Estava tudo ali: duas pernas, dois pés, dois braços, duas mãozinhas, uma cabeça muito grande, um tórax pequenininho, corpinho proporcional para idade, enfim, tudo dentro dos padrões de normalidade.

Ufa! Um alívio.

Opa! Mas... ainda faltava o mais importante a “Translucência Nucal”, o famigerado exame que se destina a avaliar probabilidades de desenvolvimento de anomalias genética. Foi o que o médico explicou (se sua mãe e eu tivéssemos sido fotografados você poderia ver o retrato da apreensão).

Foram alguns minutos de muito expectativa porque você não ficava numa posição adequada à avaliação médica. Partimos para a ultrassonografia. O médico começou a pressionar a barriga de sua mãe e, é claro, você começou a se mexer. Isto você sabe; você deve estar querendo explicações para tanto incomodo.

“Pronto”, disse o médico. Então ele capturou uma imagem de suas costas e fez a medição do seu pescoço, ou melhor, do líquido que fica na nuca. Deu 1,2 mm. Ou seja, normal. Respondendo a uma pergunta minha, o médico nos advertiu que acima de 2,5 mm há uma probabilidade maior do bebê nascer com deficiências; isto não significa que nascerá. O inverso também é verdadeiro: nem todos os riscos estão afastados em seu caso, embora a probabilidade seja muito menor.

Mas nós comemoramos porque coração de pai e mãe não se contém com probabilidades. Saímos do consultório renovados. Eu até liguei do meu celular para sua madrinha, minha irmã, em Catanduva para dar a notícia no horário de maior tarifa. Para quem conhece seu pai sabe que atos ou arroubos como estes só se explicam em situações extremas. Hoje vivemos uma situação de extrema felicidade.

Mais uma etapa superada. Agora faltam apenas duas ou três ecografias. Na próxima acho que poderemos conhecer seu sexo.

Ah! Não posso deixar de lhe contar que ainda há pouco falava mais uma vez ao telefone com sua madrinha, e ela me disse que os 169 batimentos cardíacos por minuto registrados indicam, na experiência do Dr. Waldemar — o médico que fez o parto de seu pai, e também da Paola — a formação de uma menina. Falei da Paola porque quando ela ainda era um bebê na barriga de minha irmã foi feito um exame semelhante para verificar os batimentos do coração e adivinha quanto deu: os mesmos 169 bpm. Fora a coincidência dos números, o mais curioso é que minha irmã me disse que tinha certeza de que teria menino, tal como temos nós.

Ainda acho que você será João, mas confesso que muito me agrada a suspeita de que possa ser a Maria que sempre desejei.

Para seu avô materno, o vô Vartão, disse que os bpms elevados revela tão somente que você será um corintiano apaixonado. Não que seu pai seja torcedor inveterado, mas, como um bom genro, não quis perder a chance de provocar o sogro sãopaulino fanático.

Assim foi nosso encontro de hoje. Aliás será que um dia saberemos se você pôde nos ouvir, poderia nos reconhecer? Se a visão ainda não for boa e você tiver de usar o olfato e o paladar, é preciso que eu lhe diga que sua mãe toma menos banho do que eu e, portanto, deve ter um cheiro mais forte. Estou brincando. Não liga não que isso é inveja de pai, pois eu sei que o cheiro de sua mãe será um dos primeiro registros e talvez o mais marcante que você fará em vida. É o odor do amor maior, gravará sua alma, dele exalará sua vida.

Escrito em 30 de maio de 2003 — 23:13h

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Se beber, não dirija e muito menos repreenda seus filhos

O João Pedro está entrando na fase da moralidade convencional ou heterônoma, segundo Piaget. Trata-se daquele estágio em que a criança vê os deveres como existentes “em si”, externos à sua consciência e independentes do contexto. As ordens e regras devem ser cumpridas ao pé da letra. A norma não pode nem ser transgredida nem relativizada por interpretações flexíveis.

Ele assisitiu na Tevê, que pra ele é fonte inconstestável de legitimidade e de autoridade, que quem bebe não deve dirigir. Agora é só montar no carro depois da festa ou do restaurante que ele nos cobra: "Vocês beberam?". Outro dia saindo da pizzaria eu e minha esposa tentamos explicar a ele que um pouquinho de bebida era permtido. Mas acho que ele não se convenceu.

Contudo, tão importante quanto advertir os pais que não dirijam se tomarem bebida alcoólica é dizer a eles que não tentem repreender seus filhos se tiverem mais de duas cervejinhas na cuca. Essa é a minha medida para levississimamente embriagado. É que a gente perde mesmo a noção e quase sempre faz besteira.

Sei que tem muito pai e mãe desmiolado neste mundo, mas desconfio que grande parte das agressões sofridas por crianças tenha motivação num pilequinho inocente.

Portanto, se beber, não dirija, não arrume encrenca com as pessoas e nunca tente corrigir seus filhos. Fique quieto, coma um doce, tome um banho e vá dormir.

domingo, 15 de agosto de 2010

aFoRiSmOs

Esta eu acabo de aprender com o Antônio:

"Papai, a água é mais saudável porque tem 'sau' [sal]".

Ele tentava me convencer que, hoje, não precisava tomar o "leite da noite" porque ele já tinha bebido um copo d'água.

sábado, 14 de agosto de 2010

Pasta de dente de cocô e xixi de rato-azul

Quando os meninos não obedecem na primeira, dificilmente eu peço uma segunda vez. Porque quando digo: "É a segunda e a última vez que estou pedindo...", eles imediatamente se prontificam a fazer o que devem. Assim, raramente lanço mão deste recurso até para não banalizar minha autoridade (conquistada com caras feias, silêncios eloquentes e casaco de general, mas, vale ressaltar, sem palmadas).

Em regra, depois de pedir uma vez para que eles cumpram um dever, costumo inventar alguma coisa associada à obrigação, que motive seu cumprimento. Por exemplo, esses dias atrás o João e o Antônio almoçaram rápido para continuar brincando com uns playmobis novos que comprei. Ao deixar a mesa, disse a eles que fossem escovar os dentes com a Tata. Nem me deram ouvidos, me ignoraram sem cerimônia.
Achei que não era o caso de apelar, afinal de contas eles não estavam fazendo nada de errado, só estavam querendo brincar. Enquanto me aprontava para levá-los à escola  me ocorreu a seguinte saída: misturo a pasta dos adultos com a pasta das crianças e invento uma proveniência curiosa e valiosa para a mistura. Tem dado tão certo essa estratégia que outro dia o João convidou um amiguinho pra comer carne de boi poderoso em nossa casa (para que eles comessem carne vermelha disse que era de um boi muito poderoso e que tinha perdido uma dura batalha para outro boi igualmente poderoso, e aí contei a hestória da luta entre Caprichoso e Garantido).

Acontece que me atrapalhei e fui chamá-los na sala para escovar o dente com uma pasta feita de cocô e xixi de rato-azul. Pra consertar emendei: "é um rato raríssimo que só existe na Serra da Piedade perto de Belo Horizonte" (eu tinha acabado de chegar de lá).
Os dois largaram os brinquedos e vieram correndo conferir.
Olharam para as escovas sobre a pia e o João logo percebeu que era a mesma pasta de sempre. Mas, para minha surpresa, decidiu entrar na brincadeia fazendo cara de nojo e dizendo "credo". O Antônio fez igual.
Aí perguntei: "João, qual é mesmo a sua escova?".
E não é que ele com argúcia me respondeu na lata: "Papai, as duas são do Nenê".

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Intra-uterinas (memórias de fora pra dentro da barriga)

            É meia-noite. Portanto já é sexta-feira. É hoje, logo mais às 3 horas da tarde, que faremos sua segunda ecografia.
            Ainda nem tive tempo de lhe contar sobre a experiência de nossa primeira ecografia ou mesmo sobre o ultrasom realizado em Catanduva. E aqui estou eu: bastante cansado, mas muito mais ansioso porque estou a poucas horas de lhe ver...
Tenho certeza de que será uma emoção imensa, certamente ainda maior do que a primeira. Até porque você está bem maior do que há quatro semanas atrás. Salvo engano você já tem 3 cm! Acho que a esta altura muitos de seus órgãos estão formados e você não mais se confunde com filhotes de mamíferos: sua mãe me disse que já pode ser chamado tecnicamente de feto. Aliás sua mãe também me contou que você quase dobra de tamanho a cada semana de gestação. O que é impressionante. Espero que você, depois de nascer, continue crescendo bastante; num ritmo menos acelerado, é verdade.
            É que eu gostaria que você fosse um pouco mais alto do que eu. Uns 15 centímetros estaria bom. Não que o mundo seja mais difícil para os baixinhos. Creio que consigo me sair bem com minha estatura. Acho que a única limitação que me foi imposta pela altura foi prosseguir no basquete. É verdade, você pode não acreditar (sua mãe até hoje não acredita e faz piada), mas seu pai jogou basquete; fui um ala medíocre, porém que joguei, joguei. No mais, ter um 1,70m nunca me causou transtorno ou impedimento algum (pensando bem, me intimidei diante de alguns mulherões que a vida me trouxe).
            Mas quero que você tenha 1,85 m tão somente porque acho mais bonito homens e mulheres com este tamanho. Ao menos hoje, estamos em 2003, o padrão estético vigente é este. Muito provavelmente algo irá mudar até que você venha a se  preocupar com sua aparência física — sendo homem tal preocupação só lhe acometerá em torno dos 15 anos, ou seja, em 2018; se você nascer mulher, a beleza vai lhe chegar mais cedo, talvez aos 7 (pensei na Paola, sua prima, que merece tratamento especial, por isso, falamos sobre ela um outro dia).
            Voltando à ecografia, amanhã é o dia de verificarmos se você está se formando direitinho, se não há nenhuma anomalia. É a tal da translucência nucal que, quando normal, afasta em 85% a chance da criança nascer com Síndrome de Down. Considerar essas possibilidades me deixe um pouquinho tenso. No fundo, devo lhe confessar, bastante tenso.
            A razão para tanta tensão é tão inextricável que nem ouso tentar desenrolá-la neste momento. Para essa conversa, ou melhor, para o que julgo ser “a” nossa conversa ainda não estou preparado; logo nem posso lhe prometer que conseguirei desenvolvê-la nestes meses que restam até sua chegada.
....................................................................................................................................................................................................................................(pontinhos correspondem ao tempo em que fiquei pensando)
            Quer saber, vamos mudar de assunto.
            Vou ler para você um texto que escrevi para os primeiros alunos que tive como professor de graduação do Curso de Direito do UniCEUB, no 2° semestre de 2001. Quem sabe a história diga algo sobre você, pois, tal como eu, seu nascimento está previsto para dezembro.

Minha (quase) história de Natal

            Como minha irmã havia nascido em dia primeiro do ano, o médico que faria meu parto convenceu minha mãe, com irrestrito apoio de meu pai, para que me trouxesse ao mundo no dia 25 de dezembro de 1973. Assim as crianças (eu e minha irmã), nascendo em datas tão significativas, já teriam de antemão sentidos que justificassem suas vidas. Todos os que anuíram com a data estavam convencidos de que o meu nascimento, por um lado, renovaria a crença nos preceitos do cristianismo a atualizaria a aliança de meus pais com seu Deus. Por outro lado, acreditavam que dar à luz no dia de natal é atribuir um sentido místico e absoluto à criança que nasce, é atribuir a ela uma história bastante antiga. Noutras palavras: a criança que nasce, no seio de uma família cristã, no dia 25 de dezembro já nasce com dois mil anos de idade e com algumas preocupações. Pois, se é bastante cômodo para os que se sentem a quarta parte da santíssima trindade, costuma ser um fardo para aqueles que vivem esperando (aterrorizados) o anúncio de sua crucifixão.

Mas, como “há mais mistérios entre o céu e terra do que julga nossa vã filosofia”, dia 23 de dezembro de 1973 minha mãe teve de ser internada porque sua “bolsa” (até hoje não sei bem onde termina a placenta e começa essa tal bolsa) havia rompido. O médico, que planejara a cesariana para o Natal, teve de antecipar o parto (ou melhor, o parto antecipou o médico).

Eis que, tudo posto para cirurgia, surpreendentemente minha mãe entra em trabalho de parto. Sem hesitar, o médico suspendeu a cesariana e prontificou-se em “auxiliar” a Natureza naquele inextricável processo.

Conta minha mãe que ela não teve de sofrer muito para parir porque, por incrível que pudesse parecer, eu estava prontinho, o bebê certo no lugar certo e ¾ como logo após saberíamos ¾ também na hora certa. Pois “errada” havia sido a hora marcada pelo médico e não a hora em que decidi viver. Mas isso, só viemos a saber quando, ao deixar o ventre de minha mãe, o médico pôde ver que eu estava com duas voltas do cordão umbilical em meu pescoço. Ou seja, caso eu permanecesse mais um dia ou até o Natal, como fora planejado, não haveria Natal algum para mim.

Mas, como vocês puderam constatar no segundo semestre deste ano, eu sobrevivi. Na verdade, vivi; e hoje, aqui estou eu, 28 anos depois (hoje estou fazendo aniversário), tentando lhes contar esta minha (quase) história de Natal por dois motivos.

O primeiro, e o mais evidente, é porque é Natal. E no Natal as pessoas que se gostam costumam celebrar juntas e comemorar significados que são muito importantes para todas elas. E como comemorar é o mesmo que “lembrar juntos”, gostaria de poder lembrar, ou melhor, compartilhar com todos vocês ¾ meus primeiros alunos de graduação ¾ essa minha primeira lembrança de vida.

Bom, o segundo motivo pelo qual lhes ofereço esta história diz respeito ao fato de que com o decorrer dos anos ela foi se transformando numa “lição de vida” discreta, porém, fundamental. Aí, com minha cabeça de professor pensei: se é uma “lição” para mim, pode ser útil para os meus amigos alunos. Assim espero.

Então, vamos lá.

A lição pretende ensinar que não devemos desistir de viver quando as coisas parecem não sair como planejado ou quando nos sentimos com a corda no pescoço. Pelo contrário, devemos é resistir mesmo quando nos faltam imediatamente sentidos ou razões para tanto, isto é, mesmo quando não sabemos ao certo o porquê de estarmos lutando ou temos a impressão que lutamos só; e que até Deus nos abandonou. Nessas horas é que devemos agir como a criança que quer nascer: devemos romper a “bolsa”, cortar alguns vínculos e no mesmo instante chorar pedindo por amor. Até porque no momento seguinte já teremos nascido e então... basta abrir os olhos e ver que temos uma vida toda pela frente com os significados que nós mesmos desejamos dar.

            Bom, acho que vou lhe dar um beijo de boa-noite (na barriga de sua mãe) e, enfim, tentar dormir. Amanhã continuamos.

Escrito em 30 de maio de 2003

domingo, 8 de agosto de 2010

Dia dos Pais

Estou entre aqueles que se incomodam com a excessiva comercialização do dia dos pais, do dia das mães e do dia das crianças. Embora reconheça e aceite, com alguma tranquilidade, esta capacidade do Mercado (e dos comerciantes) de converter em dinheiro todos os valores que toca (da solidariedade ao próximo até o amor natural), me causa enorme desconforto a publicidade dirigida aos filhos, em especial aos filhos crianças.

Contudo, mesmo assim, espero o Dia dos Pais com mais empolgação do que o meu aniversário. Na verdade, não dá nem para comparar.

...................................................................................................................................................................

Bom, depois, mais à noite, volto ao temo, porque já ouço os meninos acordando e quero me preparar para ganhar meus abraços e meus beijos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Entre tapas e beijos

            Desde que o Governo encaminhou à Câmara, em meados de julho, o PL 7.672/2010 visando garantir que crianças sejam educadas e cuidadas sem o uso de “castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante” tenho pensado em manifestar-me sobre a questão.
            Na segunda-feira, dia 26 de julho, fiquei me sentindo bastante obrigado a dizer alguma coisa depois que a Folha de S. Paulo divulgou de um jeito enviesado os resultados de uma pesquisa feita pelo Datafolha. A matéria mostrava claramente que apenas “54% dos brasileiros são contrários ao projeto de lei que veda castigos físicos em crianças”, isto é, uma apertada maioria. Mesmo assim a manchete não hesitou em berrar que: “Maioria já deu, levou e é contra proibir palmadas”, fazendo parecer que a proposta não tem a menor legitimidade.
            Mas fiquei incomodado não só com o destaque dado a uma percentagem tão modesta — não estou nem descontando a margem de erro de três pontos —, o que me incomodou mesmo foi a redução do debate à palmada, que é sinônimo de tapinha inofensivo que quase não dói. Como se no Brasil toda “violência educativa” (?) contra a criança estivesse restrita a batidinhas e a beliscões suaves. Antes fosse, ou melhor, antes não houvesse registros freqüentes de surras e agressões com socos, pontapés, pauladas, chibatadas, cintadas, ferro em brasa, etc.
            Não sei exatamente porque acabei desistindo de me pronunciar. Acho que para não ter que admitir já ter batido nos meus filhos. Um pouco por vergonha, certamente.

            Contudo, ontem mudei de idéia depois que minha esposa e mãe dos meninos me contou toda satisfeita — sem saber o que me preocupava — como o João Pedro, nosso filho de seis anos, havia reagido à ameaça dum amiguinho maior do que ele. Da janela e sem ser vista, a mãe ouviu o seguinte diálogo, enquanto observava quatro crianças brincarem no barro com panelas velhas e hominhos de plástico divididos igualmente entre seus dois filhos e dois amiguinhos.
— João Pedro, me dá seus hominhos senão eu te bato.
Sem hesitar o João respondeu: — Se você me bater eu vou falar pra minha mãe, aí ela vai ligar pra sua que vai vim te buscar na hora.
Mal piscou os olhos e os dois já estavam brincando juntos novamente.

A pior conseqüência da surra

Essa reação do João Pedro foi suficiente para que, finalmente, me sentisse desimpedido para falar. É que, no fundo, amargava há tempos uma dúvida em relação às conseqüências de ter batido nele (como confessei na postagem abaixo): será que ele teria aprendido que é certo apanhar quando alguém aparentemente mais forte afirma que ele errou?
Porque, para mim, a conseqüência mais perversa de se bater numa criança não é ensinar a ela que os problemas podem ser “resolvidos” (entre aspas, é claro) com violência. Embora a Campanha “Não bata, eduque” tenha elegido essa conseqüência como argumento central (uma conseqüência direta do uso do castigo físico é o aprendizado, por parte da criança, de que a violência é uma maneira plausível e aceitável de se solucionar conflitos e diferenças, principalmente quando você está em uma posição de vantagem frente ao outro, principalmente física trecho extraído do site), estou convencido de que o menor mal que podemos infligir a uma criança é transformá-la imediatamente em agressora (por ter supostamente assimilado a violência como um padrão para resolver problemas). Digo mais: tem muito pai-machão que não consegue conter a satisfação em saber que seu filho bate nos coleguinhas. Ainda assim, insisto que é preferível que a criança agredida reaja à agressão tentando imitar seu agressor do que permanecer inerte e submissa.
Ou seja, acho muito mais grave e de difícil abordagem aqueles casos em que a criança não apenas sofre a violência como a naturaliza. Isto é, a criança subjugada se reconhece como uma “pessoa inferior”, se acovardando e se resignando diante das injustiças. A meu ver, é a mais violenta conseqüência da violência, porque retiramos da criança a coragem, que é pré-requisito para o exercício da liberdade e da autonomia na vida adulta.
A coragem era considerada por Platão uma das três virtudes da alma. Não à toa os três companheiros de Dorothy no filme “O Mágico de Oz” buscam inteligência, bondade e coragem.
Como eu continuo achando que o filósofo grego está coberto de razão, vivo criando situações para que meus filhos sintam-se inteligentes, sintam-se corajosos e sintam-se bondosos, ou melhor, sintam-se bem sendo assim. Por isso se alguém perguntar para o João Pedro e para o Antônio “quais são as três coisas que uma criança tem que ter?” (embora eu costume dizer “um grande guerreiro” ao invés de “criança”) verão os dois apontando para cuca e dizendo “inteligência”, depois apontando para o muque e dizendo “força” e, então, apontando para o peito responderão “bondade”.
Enfim, tem pai (e também mãe) que ainda não se deu conta de que ao bater em seu filho está no fundo fazendo com que ele aprenda a apanhar. Talvez acabemos por transmitir não um padrão de comportamento, mas dois: pois é preciso ser covarde para ser violento.

Um filho vigário e o outro, vigarista

            E não aceito o velho argumento de que existem crianças que só aprendem apanhando. Na melhor das hipóteses a única coisa boa que as crianças aprendem quando apanham é que os adultos também perdem o controle e que não se pode confiar absolutamente nem em seus próprios pais.
            É óbvio que diferentes crianças exigem, às vezes, formas diferentes de se educar. Mas de modo algum, porrada. Meu cunhado me contou que uma conhecida senhora catanduvense costumava se lamentar aos mais próximos dizendo que “embora tivesse criado seus dois filhos da mesma maneira um lhe saiu vigário e outro, vigarista” [em tempos de pedofilia no clero infelizmente é preciso esclarecer que este último é que não prestava, pelo menos aos olhos da mãe]. Não desejo aos meus filhos nenhum dos dois fins, tampouco um destino comum. Quero, sim, que ambos se identifiquem como gente por possuírem os mesmos valores fundamentais, como o respeito ao próximo e o amor à sabedoria, por exemplo. E se cada um aprende de um jeito, simplesmente porque são pessoas distintas, meu desafio como pai é aplicar métodos e cuidados diferenciados de modo que eles se sintam igualmente amados.
            Se pancada desse jeito em alguém, os meninos sairiam da FEBEM e da FUNABEM direto para a canonização (em caixões, naturalmente). Desafio quem conheça um só exemplo de uma criança reconhecidamente má que tenha endireitado a custa de castigos físicos, psicológicos e maus tratos. Por outro lado, sei de um monte de história de gente que apanhou horrores e que se tornou um agressor ainda pior ou covarde explosivo e imprevisível.
            Conheço também inúmeras estórias. Mas vou mencionar apenas duas.
            Primeiro a estória do menino chamado Valtei que faz parte do livro-que-eu-mais-gosto Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa. Vale a pena ouvir o que Riobaldo diz sobre ele:
“Eu gosto de matar...” — uma ocasião ele pequenino me disse. Abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça — o vôo já está pronto! Pois, o senhor vigie: o pai, Pedro Pindó, modo de corrigir isso, e a mãe, dão nele, de miséria e mastro — botam o menino sem comer, amarram em árvores no terreiro, ele nu nuelo, mesmo em junh frio, lavram o corpinho dele na peia e na taca, depois limpam a pele de sangue, com cuia de salmora, A gente sabe, espia, fica gasturado. O menino já rebaixou de magreza, os olhos entrando, carinha de ossos, encaveirada, e entisicou, o tempo todo tosse, tossura da que puxa secos peitos. Arre, que agora, visível o Pindó e a mulher se habituaram de nele bater, de pouquinho em pouquim foram criando nisso um prazer feito diversão [...]

            Taí um risco e uma conseqüência que nem a Campanha “Não bata, eduque” havia suscitado: dos pais que se habituam a bater e se acomodam.

A maldade de Romãozinho

            A segunda estória é Câmara Cascudo quem conta em seu livro Lendas brasileiras (com ilustrações de Poty, que também ilustrou livros de Guimarães Rosa). É a lenda de “Romãozinho”, que não tem nada a ver comigo e muito menos com meus filhos. Juro.
Filho de negro trabalhador, Romãozinho nasceu vadio e malcriado.
Tinha todos os dentes, fisionomia fechada, hábitos errantes, nenhuma bondade no coração.
Divertimento era maltratar os animais e destruir plantas.
Menino absolutamente perverso.
Um meio-dia, a mãe mandou-o levar o almoço ao pai que trabalhava num roçado distante da casa.
Romãozinho foi, de má vontade.
No meio do caminho, parou, abriu a cesta, comeu a galinha inteira, juntou os ossos, recolocou-os na toalhinha, e foi entregar ao pai.
Quando o velho deparou ossos em vez de comida, perguntou que brincadeira sem graça era aquela.
Romãozinho, entendeu vingar-se da mãe, que ficara fiando algodão no alpendre da casinha:
— É o que me deram... Minha mãe comeu a galinha com um homem que aparece lá quando o senhor não está por perto. Pegaram os ossos e disseram que trouxesse. Eu trouxe. É isso aí...
O negro meteu a enxada na terra, largou o serviço e veio correndo. Encontrou o mulher fiando, curvada, absorvida na tarefa.
Dando crédito ao que lhe dissera o filho, puxou a faca e matou-a.
Morrendo, a velha amaldiçoou o filho que estava rindo:
— Não morrerás nunca. Não conhecerás céu, nem o inferno, nem o descanso enquanto o mundo for mundo...
O marido morreu de arrependimento. Romãozinho desapareceu, rindo ainda.

            Será que Romãozinho poderia ser corrigido com uma boa sova?

Conversa mole também não resolve

            Tenho certeza que não. Mas tampouco creio que teria efeito uma bela conversa.
            E esse me parece, digamos, o defeito do lado oposto. Os que não batem e rechaçam qualquer forma de castigo físico e tratamento degradante parecem nutrir uma crença ingênua e ao mesmo tempo adultizada no poder do diálogo com as crianças. Mais uma vez recorro à Campanha, que, apesar de criticar seus argumentos, aderi com empolgação. Especificamente, estou me referindo especificamente às dicas disponíveis no site como estratégias de educação positiva.
            Em regra, a Campanha recomenda aos pais que eduquem seus filhos com diálogo. Seja para repreender e impor limites ou seja para estimular e acentuar comportamentos desejados. Até aí tudo bem, pois “em tese” não há como discordar de uma educação baseada no discurso, nas palavras. O único senão é que nos momentos difíceis e delicados — como uma birra no supermercado, um palavrão dirigido à vovó, um soco no coleguinha, um vaso quebrado depois da décima advertência e por aí vai —, isto é, na “vida real” dificilmente há clima e espaço para uma conversa de joelhos com os olhos-nos-olhos de seu filho. Eu já tentei e continuo tentando, mas para conter um moleque de três e outro de seis anos em situações limites (são aquelas em que você pensa em bater) é preciso lançar mão de técnicas mais eficazes.
            Por exemplo, para interromper uma carreira desabalada em direção à rua movimentada (e evitar o atropelamento do seu filho) é necessário usar em alto e bom som uma única palavra de comando que o faça parar como um cachorro obediente. A comparação não é involuntária, porque para atingir esse grau de aderência à voz de comando pode-se treinar os meninos (até os sete anos mais ou menos) com o auxílio de um adestrador de animais. Só depois que seus filhos estiverem respondendo a comandos vitais do tipo “desce daí”, “pare”, “volte”, “corra” e “durma” — este último eu não consegui incutir no mais velho embora eu tenha usado aquele famoso manual de adestramento: “nana nenê” — depois disso é que entra a psicologia (não o psicólogo).
            É sério; tirando só um pouquinho do excesso. Não dá para corrigir a criança ou educá-la tentando sempre lhe explicar cada ato ou cada pretensão que nos move. As vezes quando quero que o João Pedro pare de fazer algo que incomoda (como ficar pedindo sem cessar “papai, deixa eu faltar da aula hoje” a caminho da escola) eu desvio a atenção dele contando uma hestória (meio mentira e meio verdade) instigante sobre algum ponto do percurso que ele possa ver e focar: “João, você sabia que eu conheci um menino (que estudou comigo lá na sua escola) que pulou do alto daquele viaduto gigantesco ali? Foi assim: quando eu tinha a sua idade teve uma grande enchente aqui na cidade...”. Nunca deu errado e olha que eu não sou nenhum Pedro Bandeira.
            Também acho que muitas vezes o silêncio é a melhor forma de comunicação, principalmente entre pais e filhos, isto é, entre homens. De vez em quando estamos os três brincando de playmobil na sala e aí os dois começam a brigar pela espadinha flamejante ou pelo cavalo preto ou por qualquer outra coisinha. Dou um minuto no máximo e se eles não se entendem eu me levanto dizendo que não quero brincar mais. Saio. Em instantes estão os dois me pedindo pra voltar porque eles “são parceiros e não vão mais brigar” (agora que o João sabe ver as horas eles têm resolvido a disputa da seguinte maneira: cada um fica dez minutos com a coisinha disputada).
            Melhor do que o silêncio e as hestórias são os carinhos. Esses sim, sejam abraços ou afagos, dispensam qualquer palavra.

            Bom, acho que era isso que eu tinha pra dizer.
            No mais, não sei se é relevante registrar ainda que apanhei quando criança e que não fiquei traumatizado (acho), como quase toda minha geração. No entanto, me parece burrice concluir a partir de exemplos como o meu — com mais de trinta anos — que uma palmadinha não faz mal ou que pode até fazer bem. De 1970 para cá o mundo mudou bastante. E hoje, sobretudo graças à luta pelos direitos humanos, repudiamos um bocado de coisas que antes nos pareciam “normais”, tal como: homem que bate em mulher; político que rouba, mas faz; cristão que sonega em paz; e, gente que joga lixo no chão.
            Os tempos são outros. Hoje em dia as crianças já nascem sujeitos de direitos, ainda que seus pais não queiram. Antigamente, as crianças eram apenas um objeto relativamente protegido pelo Direito. Os pais colocavam seus filhos no “Jardim da Infância” na expectativa de que essas sementes de gente, regadas com educação escolar, viriam florescer como adultos capazes. Hoje há casos em que a sementinha já escolhe o jardim. Antes as crianças comiam apenas depois dos adultos, hoje elas são servidas antes mesmo da refeição ir à mesa.
            Quando a Constituição do Brasil diz que as crianças têm prioridade absoluta ela tão somente expressa o entendimento que predomina em nossa sociedade. Ou não somos nós mesmos que vivemos afirmando que em primeiro lugar estão os nossos filhos?
            Pode até ser que tenhamos exagerado na medida ao atribuir às nossas crianças a condição de super-sujeitos de direitos, sob a guarda da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tenho minhas dúvidas, mas pode ser.
            Agora, aqui entre nós: não é com vara e marmelo que vamos corrigir isso, né?