quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

De volta

Estamos de volta! Depois de um curto e caloroso verão, voltamos todos ― João Pedro, Antônio, Emiliane e eu ― para fechar este ano e abrir o próximo.


Nesses últimos dias aconteceram tantas coisas e foram tantos os ensejos filhosóficos que não sei nem por onde começar.

Não, talvez eu saiba...

Vou recomeçar mostrando o presente que ganhei no Natal.

Dia 24 de dezembro, lá pelas oito da noite, eu e os meninos estávamos deitados na cama para assistir minha namorada (que é como eles tratam a mamãe e esposa do papai) se aprontar para a ceia quando, de repente, o João Pedro me presenteia com este verso:

“Papai, o meu pé é que nem o da mamãe, mas eu sou igualzinho a você!”.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Crianças com deficiência, pais especiais

Anteontem soube pelo blog da Melina (O lado M de mamãe) que em 3 de dezembro se comemorou o dia internacional do deficiente físico.

Ontem, por coincidência, conversei ao telefone com Claudia Werneck que há anos escreve, reflete e trabalha muito pela inclusão de crianças com deficiência. Ela é Superintendente Geral da Escola de Gente, uma das mais corretas ONGs que já conheci (e posso dizer que conheço “profundamente” algumas centenas de organizações não governamentais, porque trabalhei durante anos avaliando a contabilidade e qualificando as ações de todas as OSCIP federais e de grande parte das entidades filantrópicas). A Escola de Gente – Comunicação em Inclusão foi fundada em abril de 2002 “por profissionais de comunicação e ativistas [...] a favor da inclusão de grupos em situação de vulnerabilidade na sociedade, especialmente crianças, adolescentes e jovens com deficiência”.
Curiosamente, não falamos sobre o tema. Tratamos de outros assuntos menos relevantes, mas não menos urgentes.

Hoje, a Mi me deu boas notícias da primeira cirurgia (outras oito estão previstas) a que teve de submeter o filho mais novo de um casal de amigos. Disse-me, também com os olhos, o quanto ela admira a força, a coragem, e a determinação dos pais de uma criança com algum tipo de deficiência.

Há quem se refira por pura delicadeza às crianças com deficiência como “crianças especiais”. Tudo bem, pois neste caso a intenção também vale e todo cuidado é pouco. Mas, no fundo, acho que são os pais dessas crianças que são mesmo especiais.

Evidentemente, nem todos os pais nascem assim. Muitos vão se tornar, em razão do amor e da atenção especial que seus filhos requerem. Não sem sofrer, não sem esmorecer, não sem duvidar e, sobretudo, não sem reconhecer seus próprios limites e suas inúmeras deficiências. O filho eterno, livro de Cristovão Tezza, e também o filme-documentário Do Luto à Luta, de Evaldo Mocarzel, tratam com franqueza das dificuldades que os pais devem enfrentar e superar até se tornarem — sem querer — pessoas especiais (para seus filhos e para todos nós).

Sei que nem todos os pais dão conta do recado. Alguns tentam fugir do “problema” e abandonam seus filhos. Outros, que não podem fugir, amargam uma vida de isolamento e renúncias forçosas para tentar esconder o “problema”. Por outro lado, mas nessa mesma linha, há pais que promovem a superexposição de seus filhos para que sejam considerados especiais, ou melhor, para que recebam (meio que por tabela) a atenção, a comiseração e a compaixão das pessoas próximas. Agem de modo que a deficiência do filho os projete socialmente como pessoas predestinadas (por Deus?) a serem especiais e, portanto, melhores do que realmente são. Só não causa abjeção porque, quase sempre, tal comportamento é decorrência de uma grave patologia. Tive o azar (ou a sorte, não sei) de conhecer um único caso.

Felizmente, tenho encontrado pelo caminho muitos pais verdadeiramente especiais, que fazem da paternidade e da maternidade de crianças com deficiência um patamar de amor e civilidade que todos deveríamos tentar alcançar. Basta levar a condição de pai/mãe a sério para descobrir e viver o festejado amor incondicional. Todavia, creio que o patamar erguido e sustentado por esses pais especiais está bem mais além do incondicional: suspeito que esteja naquele mais alto ponto do mais azul do céu que só pode ser visto com os olhos do coração.

Segue a Parte 2 do documentário do Luto à Luta disponível integralmente no youtube:

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

1ª Exposição de "Arte" dos Meninos

Estes são os 10 convites que João Pedro e Antônio prepararam para oferecer aos seus familiares e amigos. São poucos para distribuir, mas o suficiente para convidar a todos que queiram conhecer tanto o espaço de arteterapia Bem Me Quer quanto o "trabalho" deles (e de outros meninos e meninas).



"Eu já sei de tudo!"

Outro dia, tomando banho com o Antônio, tentei corrigi-lo pela última vez quanto ao emprego do pronome oblíquo "mim" como sujeito do verbo no infinitivo. 
Ele me disse: "Papai, pega o sabão pra mim lavar o chão".
Como de costume, repeti sua frase de acordo com os padrões cultos da língua portuguesa (embora Celso Cunha e Lindley Cintra, autores de minha gramática predileta, já autorizem o uso da forma oblíqua) dizendo: "Para eu lavar o chão".
E é claro que ele retrucou: "Não, papai, não é para você; é para mim lavar".
Acho que esta competência para perceber a distinção ele só vai adquirir depois dos cinco anos.
Por ora, desisti.
No entanto, ele já é capaz de perceber as palavras que saem errado. Por exemplo: hoje ele tentou dizer "esmagar" e saiu "esgamar"; além do mais, ele ainda não consegue pronunciar o "r" entre consoantes (diz "tiste", "pato" e "bulaco" ao invés de "triste", "prato" e "buraco") e ao final da palavra o "r" tem som de "i" ("apontador" soa "apontadoi"). Minha família, em especial minha mãe e meu tio Betão, adoram ouví-lo falar errado. E realmente é engraçadinho. Mas eu não me dobro e sigo repetindo corretamente depois dele: ele me pede para desligar o "computadoi" e eu digo que já vou desligar o computadoR.

Bom, voltando ao banho, chamei a Mi para enxugá-lo e, então, ele fez alguma coisa errada (faz apenas três dias e não me lembro). A mãe o repreendeu e ele começou a chorar sentido. A Mi tentava explicar, mas ele repetia sem cessar: "Mamãe pála de fala, eu já sei de tudo... eu já sei de tudo... eu já sei de tudo, mamãe".

O pior é que as vezes eu desconfio que eles sabem mesmo. Nós é que não.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Comentário n'o lado M de mamãe...


Era para ser um comentário no blog da Melina, o lado M de mamãe... , sobre o texto de ontem em que ela trata de agressões na escola. Mas como estou de férias e um pouquinho resfriado, fui escrevendo, escrevendo e virou esta nova postagem.

Em julho de 2008 registrei no Livro dos Meninos (meu quase diário de bordo) que presenciei a Emiliane esbravejando com o João Pedro — que na época tinha 4,5 anos — porque ele havia apanhado do Tutuzinho (a criança mais nova da sala dele, então com uns 2 anos e pouco) com um pedaço de pau. Vi o corpo dele todo marcado pelas pancadas e fiquei injuriado.
As pauladas extrapolavam em muito nossos limites, embora soubéssemos que o Tutuzinho batia com freqüência em todas as crianças mais velhas — estávamos acostumados com uma mordida, um arranhão, um tapa e outras “lesões corporais leves”. Afinal de contas, podiam ferir gravemente.
Mas, naquele momento, o problema para gente não era o Tutu bater: já vínhamos discutindo regularmente o “caso” nas reuniões de pais, mães e professoras (os pais do Tutuzinho eram super tranqüilos e excelentes pessoas) que aconteciam todo mês na Moara, nossa escola Waldorf de Brasília. O problema era que João Pedro não havia reagido como ensinamos: se afasta do perigo evitando a agressão e avisa a professora; pronto. Nunca diríamos para ele bater de volta (“olho por olho”), mas de modo algum queríamos que ele apanhasse.
E para piorar parecia que ele não estava dando a mínima para nossa conversa, pois enquanto falávamos João tentava se distrair. Então, quando ele nos deu as costas para ir brincar, eu perdi a paciência. E num salto o segurei firme pelo braço e lhe dirige em tom ameaçador a pergunta mais cretina de minha vida: “— Afinal, João Pedro, você gosta de apanhar?”
Na lata ele me respondeu: “— Gosto”.

Fiquei com cara de bunda e depois passei dias, inconsolável, pensando um bocado de besteiras do tipo “estou criando um maricas” ou “melhor trocar o Bambi pelo Rambo IV” ou “vai pro colégio militar amanhã” e por aí fui.

Demorou um tempinho até que eu pudesse me dar conta de que para o João Pedro a paulada do Tutuzinho não era uma violência. Logo eu que vivia defendendo a “perspectiva da criança” não havia me dado o trabalho de tentar compreender qual o significado do ato para o João. Equivocadamente, tentei forçá-lo a ver como eu via: risco iminente de morte.

Hoje tenho certeza que ele consegue distinguir suficientemente uma brincadeira perigosa de uma violência mesmo moderada. Não faz muito tempo, contei aqui, na postagem Entre tapas e beijos, como ele se safou da ameaça de um amiguinho.

Com o Enzo a coisa me parece um pouco diferente. Talvez mais fácil por um lado (dele) e mais difícil por outro (de menina e da escola).
Mais fácil porque se o Enzo te contou que levou uma mordida acho que ele queria saber se isso é certo ou se é errado para você, o que também significa que ele apreendeu os significados que sua família atribui a mordidas e a arranhões em geral (imagino que ele tenha ouvido, noutras ocasiões, que é errado). Isto é, você não precisa se preocupar em dizer a ele exatamente o que fazer porque ele (é o que me parece) já assimilou uma regra de conduta ainda mais complexa do que a autodefesa: o que é errado deve ser evitado ou então corrigido. Pode ficar tranqüila e orgulhosa com essa aquisição evolutiva.
O outro lado, mais difícil a meu ver, é aonde desconfio que está o perigo: a professora e/ou a escola não estão preparadas para fazer do fato “menininha que bate” uma oportunidade pedagógica para todos, sobretudo para os pais da criança. No fundo, a educação escolar ainda não sabe o que fazer com o conflito (da perspectiva do adulto). Aqui em Catanduva infelizmente não há uma única escola que tenha estruturas e rotinas capazes de transformar problemas eventuais em possibilidades de formação e transformação de professores, pais e alunos. Isso inclui o nosso Colegião. Quando me refiro a estruturas e rotinas estou pensando em coisas simples do tipo reuniões periódicas, encontros semanais e atividades conjuntas que nos permitam conversar, trocar idéias, resolver problemas e planejar conjuntamente o futuro dos nossos filhos. Ou não. Pode ser que numa dessas ocasiões a gente se dê conta que os pais dos coleguinhas de nossos filhos não valem uma conversa sobre o clima (“vai chover?”). Mas aí, pelo menos, a gente não hesita em chamar o Conselho Tutelar para dar conta do recado. Brincadeirinha.

Apesar de tudo, resta a esperança de que a mãe da menininha e a coordenadora pedagógica da escola do Enzo leiam o seu blog. Pensando bem, vou mandar um e-mail recomendando a leitura. Tudo bem?





PS: Em tempo, quando fui com a Mi “conhecer” a Coordenação do Infantil do Colegião perguntei diretamente como a escola lidava com conflitos e exemplifiquei com agressões entre crianças. Na Moara, em 2005, além de perguntar a mesma coisa também questionei o nível de inadimplência, pois queria saber se a existência de uma comunidade escolar (formada por pais, alunos e mestres) resultava na prática em pagamentos em dia, em respeito com os profissionais e com os demais pais.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Lista do que cada moleque realmente precisa...

Conto os anos de minha experiência como pai somando as idades do João Pedro e do Antônio: 7 de um com 3,5 do outro e lá vou eu para a segunda década de paternidade. Faço desse jeito porque cada filho é um universo, é uma pessoa com suas singularidades. Ou seja, não dá para ficar repetindo com o segundo (e com o terceiro, e com o quarto... pra quem tem coragem) apenas aquilo que deu certo com o primeiro. O desenvolvimento intelectual, físico e moral de uma criança exige plano próprio e específico. Não à toa as boas escolas de hoje vivem se desdobrando para tentar conciliar a execução de seus Projetos Político-Pedagógico com a formação peculiar de cada um; e, no entanto, sabem que não há chance alguma de acertar, por maior que seja o esforço, sem a participação dos pais e das próprias crianças. Resumindo bastante, cada criança precisa de um plano de educação individual para ser realizado em coletividade, isto é, que lhe permita desenvolver ao mesmo tempo sua autonomia privada (como pessoa) e sua autonomia pública (como cidadã).

Certa vez ouvi de um pedagogo português, Antonio Nóvoa, uma recomendação intrigante: desconfie desses professores que proclamam de boca cheia (e com um certo fastio) terem "mais de 30 anos de experiência", porque, na maioria das vezes, eles experimentam o desafio da educação de crianças apenas nos primeiros anos de magistério e nos demais vão repetindo o que "deu certo". O mesmo pode se aplicar aos pais com mais de um filho. Antigamente, numa família de oito filhos como a do meu pai, aceitava-se -- por razões de época -- que os mais velhos repassassem aos mais novos aquilo de bom que haviam aprendido. Quem brincou de telefone-sem-fio pode imaginar quais as consequencias disso tudo. Por outro lado, também não estou reforçando a tese de que cada filho deva ser criado como se fosse único, ou melhor, como filho único. Justamente porque as famílias no mundo e no Brasil estão diminuindo de tamanho (segundo o IBGE a média de filhos em 2001 era de 1,6) entendo que o convívio (as vezes desregrado) entre crianças diferentes vai se tornando cada vez mais necessário, necessariamente um projeto coletivo.

Enfim, não estou negando a existência de princípios, de condutas e mesmo de algumas coisas que possam ser atribuídas às crianças em geral. Claro que há. Aqueles best-sellers sobre filhos, do tipo "Como criar meninos" ou "Receita para fazer uma criança feliz" ou "Transforme seu filho num milionário de sucesso (já na gestação)", estão cheios de generalizações que costumam ajudar, desde que não os consideremos verdadeiros manuais de instrução para a educação do Enzo, da Aina, da Maria Fernanda, do Miguel, do Lucas...

Bom, por mais intensa que pareça ser a experiência com os meus dois meninos não me sinto em condições de enunciar generalizações educacionais ou quaisquer outras fórmulas que o valham. Acho que consegui, contudo, ao fim desses últimos 10 anos de paternidade, montar uma lista do que cada moleque precisa para chegar até os 7 anos de idade com saúde (ainda que com algumas fraturas, cicatrizes e pequenos traumas). A seguir os primeiros dez itens:

1. Ter mãe e pai (mesmo em casas separadas, que significam por extensão: amor, exemplos, limites, história, etc.);
2. Saber nadar;
3. Saber se limpar (principalmente, o próprio pipi);
4. Saber se defender (ou, simplesmente, não apanhar);
5. Ter uma boa lanterna (não vale as de brinquedo);
6. Ter um pedaço de corda (mais ou menos com dois metros);
7. Não ter medo de cavalo;
8. Ter um melhor amigo (muito melhor se for também primo);
9. Saber acender e apagar fósforos (no fundo, controlar o fogo);
10. Ter um belo canivete (sabendo que só poderá usar quando fizer 10 anos);