segunda-feira, 28 de junho de 2010

Intra-uterinas (memórias de fora pra dentro da barriga)

Ontem [17 de maio de 2003] lhe disse que falaríamos um pouco mais sobre a maneira pela qual você decidiu chegar. No entanto, acho que hoje não vai dar tempo. Tenho que trabalhar muito, talvez acabe o domingo sem que eu tenha conseguido concluir todas as tarefas.

Este excesso inevitável de trabalho com que tenho vivido há dois meses escureceu-me, ou melhor, dificultou-me a comemoração da notícia de sua chegada.

É que dias antes de sabermos de sua gravidez, sua mãe e eu havíamos discutido e decidido aceitar uma proposta de trabalho que me faria trabalhar o triplo. Seu pai aceitou um convite para assessorar o Prof. José Geraldo na organização do Departamento de Políticas do Ensino Superior (DEPES) no Ministério da Educação, integrando assim o Governo do Lula.

Quando você crescer e puder se apaixonar pelo seu país, certamente conversaremos sobre política e nos lembraremos com muito orgulho deste ano de 2003 como o ano do renascimento da esperança (talvez você e todas as crianças concebidas e nascidas sob a expectativa de um Brasil melhor, efetivamente democrático, sejam conhecidas como geração esperança).

Mas, neste momento, o trabalho excessivo mais me extenua do que me dignifica: são tantos os percalços no caminho que estamos obrigados a andar lentamente e olhando sempre para baixo; e para quem a vida toda caminhou com utopias isto não é nenhum um pouco agradável. Por isso, especialmente pelo trabalho a que estou me dedicando, não pude festejar de imediato a notícia de sua chegada: até fiquei triste em imaginar que não poderia ficar ao lado de sua mãe e ao seu lado como eu sempre havia sonhado.

Saiba, meu filho, que desde minha adolescência estou me preparando para recebê-lo, há mais de quinze anos que penso em ser seu pai. Por esta razão, faz quatro ou cinco dias que decidi permanecer mais um mês trabalhando com a mesma intensidade, consumindo nossos finais de semana com as tarefas acumuladas de segunda a sexta. Passado este período, se não passar o atropelo deixo o governo e me dedico apenas a você e a sua mãe.

Escrito em 18 de maio de 2003

Um comentário:

  1. João Henrique foi concebido em janeiro de 2006.
    Dias depois recebo o convite para mudar de Porto Alegre para Brasília para a Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
    O medo da solidão era grande. Mas ela nunca chegou, João estava sempre ali. Incrível!!!
    Voltar para o sul era certo. Mas nunca voltei. Vejo João crescer comendo outras comidas,falando novas falas. Não usa o tu, usa você. Gosta de farinha no feijão (farinha é só pra churrasco, guri!!!).
    Dizem que nossa terra não é necessariamente onde nascemos, mas onde nossos nossos filhos nascem. A cada dia me torno mais brasiliense, por parte de filho.
    Soraia da Rosa Mendes
    Advogada, professora... Nada a ver...Mãe do João Henrique.

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