segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O parto do João Pedro

E depois de 9 meses e dum parto de 12 horas, o João Pedro finalmente nasceu.
Foi tão dura sua luta pela vida que desmaiou de exaustão. O médico teve de puxá-lo, numa espécie de fórceps manual que quebrou sua clavícula (só soubemos disso meses depois quando identificamos o calo ósseo no ombro).

Ele não chorou. E nós vivemos segundos, minutos de completo desespero.

Tem uma foto que minha cunhada, Ane, tirou no momento em que o médico obstetra segura o João desmaiado: a Mi está cócoras — assim aconteceu a parte expulsiva do parto natural — eu estou atrás dela fazendo a sustentação, ela toca o corpinho inerte do João e com a voz trêmula e o rosto crispado pelo medo pergunta ao médico “por que ele não chora?”.

Das costas da Emiliane, já com as pernas trêmulas pela fadiga, quase desabei ao sentir a agonia e o terror em sua voz.

A foto registra esse momento exato. E ainda hoje, quando tento ver a foto, meu coração se aperta com a lembrança da lembrança do pior.

No primeiro minuto de vida o João Pedro ganhou nota 3 na velha escala de Apgar, que significa asfixia moderada. Mas logo reagiu, porque ele realmente nasceu guerreiro, e com o auxílio do médico-pediatra(?), que passava pela sala de parto, respirou firme e forte.

Foi então acomodado ao lado da Mi, porque calor de mãe é mais pura energia que existe.

Aí eu me aproximei, chamei seu nome e ele me olhou nos olhos como ninguém nunca havia me olhado. Esta é a foto, e a lembrança mais feliz que trago do dia 18 de dezembro de 2003:


Dizem que esse olhar que o recém nascido lança sobre o pai é uma aquisição evolutiva dos seres humanos. Ou melhor, ao longo dos séculos os bebês foram aprendendo a encarar seus pais e a tocá-los profundamente com os olhos da inocência porque durante anos os machos devoravam ou simplesmente descartavam suas crias.

Talvez o João Pedro ainda estivesse preocupado com aquela conversa esquisita sobre aborto.

Conto isso tudo porque quando as pessoas ficam impressionadas por saber que o Antônio, nosso segundo filho, nasceu em casa pelas minhas mãos e pela coragem da Emiliane, nem imaginam que o parto do João Pedro foi o extremo oposto e, portanto, tão significativo quanto.

Embora as “conversas” que mantivemos na gravidez tenham sido fundamentais para que eu me reconhecesse como pai, foi o nascimento do João que uniu definitivamente minha vida à dele. Além do mais, depois da foto tive de acompanhá-lo à UTI neonatal porque o pediatra me disse que “se o bebê não ficasse vermelhinho nas próximas horas, ele teria sérios problemas neurológicos” (dá pra entender porque tenho minhas dúvidas se esse rinoceronte-de-branco era mesmo pediatra?). Como não tinha nenhum outro bebê no berçário pude ficar ao seu lado até que ele ficasse corado: foram quatro horas de uma longa conversa sobre o amor e sobre a vida. E antes do dia acabar ele já estava no quarto com sua mãe e seu pai. São e salvo.

Para nossa alegria o João Pedro nunca teve cólicas, nunca apresentou problemas neurológicos decorrentes da asfixia e sempre — que ficava inquieto — sossegava ao ouvir minha voz.

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