quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O pai da Rapunzel

Sei que ninguém quer saber mais sobre aquela história de aborto, etecétera e tal. Pois, se nem a Angélica, que é a ombudsman do blog, quis comentar e polemizar, o melhor que eu poderia fazer é dar por encerrado o assunto.

Concordo: ponto final e não se fala mais nisso. Mas acho importante voltar à questão que, para mim e também para Mi, a nossa história ilustra: o egoísmo que o pai expressa em querer discutir racionalmente o aborto do próprio filho é, na verdade, uma reação inconsciente ao sentimento de exclusão que ele vivencia com a gravidez?

Não à toa usei a palavra “inconsciente” diretamente relacionada à psicanálise. Porque para tratar do tema “exclusão paterna” recorro a um dos capítulos do livro Fadas no Divã: psicanálise nas Histórias Infantis, escrito por Diana e Mário Corso (Melina, se você já não tem, compre!). O título do Capítulo IV é “A mãe possessiva” e nele são analisados dois contos de fadas, em especial: Rapunzel e A fada da represa do moinho. Nem de longe estou, de antemão, sugerindo que a culpa pelo egoísmo do pai é da mãe possessiva. Devagar com o andor.

Provavelmente se tivesse falado desse livro — primoroso, diga-se de passagem, tanto pela qualidade do texto quanto pelo requinte da edição — numa postagem anterior àquela do aborto desconfio que o assunto não pareceria tão desagradável até para os mais sensíveis . Só não o fiz porque naquela ocasião ainda não tinha lido o referido capítulo.

Claro, todo mundo se lembra que a estória de Rapunzel tem início quando ela ainda não tinha tranças e muito menos esse nome. Começa assim: sua mãe grávida obriga seu pai a furtar os raponços da vizinha bruxa para saciar seu desejo.

E lá foi o pai, na calada da noite, tentar assaltar a horta da vizinha. Então é flagrado com os raponços na mão (vale dizer que raponço não é sinônimo de rabanete, embora a maioria das traduções disponíveis cometa esse erro). A bruxa malvada deixa que o pai leve os raponços desde que, em troca, entregue a criança logo depois do nascimento.

Dito e feito. A bruxa recolhe a menina e dá a ela o nome de Rapunzel, em homenagem aos raponços que lhe garantiram uma filha (se fossem rabanetes chamaria “Rabunzel”).

O resto da estória todo mundo se recorda. Ou não? De qualquer forma, não tem nenhuma relevância para a questão levantada; que de um jeito mais direto poderia ser assim reescrita: por que diabos o pai de Rapunzel promete e cumpre a promessa de entregá-la?

Como fiz questão de apontar no terceiro parágrafo, o pai não troca sua filha por um maço de raponço apenas porque aceita se submeter primeiro ao desejo de sua mulher e depois ao desejo da bruxa (outra mulher).

A explicação excelente e estimulante de Mario e Diana Corso é a seguinte:

            Quando um casal é invadido por um terceiro elemento, o recém-nascido, não é incomum que o pai vivencie uma espécie de mágoa, que muitas vezes começa no próprio curso da gestação. A aparência de plenitude da grávida, algumas vezes associada à recusa de uma vida sexual mais animada, deixa o homem com uma sensação de exclusão. O nascimento não melhora as coisas: o recém-nascido povoa a casa com seus objetos, seus gritos e seu cheiro, incluindo, por vezes, a presença de estranhos na casa. A nova mãe passa o dia seminua, mas dessa vez não há nenhum apelo erótico, apenas uma fonte de leite. Além disso, exausta, a mãe adormecerá com o nenê sempre que tiver oportunidade.
            Para o homem, há alguns caminhos possíveis: observará todo esse circo a uma distância prudente, orgulhoso da paternidade, mas estranho a seus rituais, ou é possível que se identifique com a mulher, compartilhando com ela os cuidados maternos primários. De qualquer uma dessas posições, precisará (ou sentirá necessidade de) intervir, reconstruindo a vida erótica do casal, lembrando à mulher que ainda é desejável, tirando-a dos circuitos obsessivos em que ela entra com seu bebê. Por mais envolvido que esteja com mamadeiras e fraldas, o pai tende a oferecer alguma exterioridade que areja a relação com o bebê. As mães principiantes entram em pensamentos recorrentes e culposos, em que se acusam das mais variadas insuficiências, alarmam-se com qualquer coisa e temem a cada segundo pela vida do bebê. Nada como um pai para relativizar essas pequenas, mas sofridas loucuras. Porém, nem sempre o homem está pronto para exercer tal função. Ele pode também entrar numa disputa com o bebê, colocando-se na mesma posição: chorão e exigente, ou ainda terá o recurso de desistir, deixando sua mulher entregue ao papel da bruxa, vivendo exclusivamente para o bebê. Muitas vezes, esta é a ocasião para providenciar uma relação extraconjugal, fazendo uma conveniente separação entre a mãe e a mulher desejada, que ele não suporta vê-las fundida numa mesma pessoa.


Bem na mosca, né?

2 comentários:

  1. Oi Dú! Adorei a dica, vou ler e depois a gente conversa!!!
    Beijo grande

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  2. Ai essa é boa agora... rsrsrs, quer dizer que a culpa foi da mãe... e da bruxa...

    Lembra que a mãe do Cristiano Massoni (me fugiu o nome dela) professora de redação, fez uma atividade no colegial de resumir em uma palavra os contos infantis? Então, esse foi o único exercício q fiz com os contos, além de contá-los exaustivamente pra Cecília... (por sinal, estamos no Soldadinho de Chumbo... ela adorou o final surpreendente.)
    Mas assim nas entranhas, só com esse livro mesmo... mas não sei se quero lê-lo, por enquanto prefiro assim.
    bjs "pros" quatro

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