segunda-feira, 14 de março de 2011

A terceirização do amor (parte 1)

Decidi abordar a denominada “terceirização dos filhos” ― expressão usualmente utilizada para designar a prática de deixar a educação de nossas crias sob a responsabilidade de terceiros ― dias antes de publicar aquela postagem sobre “A babá dos meninos”. Pensei em escrever a respeito, logo depois de “brigar” com a Emiliane por causa de umas colheradas de chocolate em pasta que ela serviu ao Antônio de café da manhã (embora ela diga que comer Nutella de colher não é o mesmo que comer chocolate). Fiquei pê da vida por ela ter dado o doce apenas porque ele pediu. Aí falei: “Poxa, as vezes você se comporta como se fosse Tia dos meninos, e não mãe. Assim fica fácil, dando tudo o que eles pedem. Mas isso não é educar, não é o nosso papel. E se não somos capazes de ajudá-los a crescer, o melhor a fazer é permitir que outras pessoas o façam. Enfim, melhor deixar que a Tata dê café para os meninos”. Falei, na hora, com a intenção de ofender, por isso me desculpei mais tarde e namoramos às pazes.

Contudo, acho que queria mesmo era tratar dos nossos limites ― como a falta de tempo, por exemplo ― como pais e como pessoas. Pois, no fundo, por mais que nos esforcemos, certamente não teremos competência para oferecer aos nossos filhos todas as referências e todas as orientações de que necessitam para se desenvolverem adequadamente. E mesmo que tenhamos (ou que acreditemos ter) creio que é recomendável partilhar a educação dos nossos filhos com outros adultos responsáveis, da babá aos avós, passando necessariamente pelos professores.

Há bastante tempo venho refletindo sobre isso. E espero que consiga enfrentar o tema sem ironias (é um vício) e sem rodeios. Mas vou fazer duas digressões (e, provavelmente, uma ironia), a la Almeida Garret.

É que, antes, preciso contar duas coisas: primeiro sobre as amas-de-leite dos séculos passados e depois sobre a Fräulein, a “babá” prostituta do livro Amar verbo intransitivo de Mário de Andrade.

Não sei se todo mundo sabe que no século XIX prevalecia o costume entre “os ricos e/ou bem-nascidos” de não amamentar os próprios filhos. Tanto no Brasil quanto na Europa.

As razões eram praticamente as mesmas: por um lado, entendia-se que a criança não era tão relevante assim para ocupar tanto tempo da mãe (em detrimento dos demais filhos e, principalmente, do pai); e, por outro, não se recomendava às mulheres de alta classe que constantemente desnudassem suas tetas para serem sugadas, mesmo em ambiente reservado (até porque a sucção faz cair o peito ainda que ninguém observe o ato).

Daí a presença cativa das amas-secas, responsáveis pela amamentação dos recém-nascidos, nas famílias relativamente abonadas. Essa época esta retratada nesta foto, tirada por Augusto Gomes Leal, da ama-de-leite Mônica (extraído do texto “As amas no estúdio do fotógrafo” disponível em http://www.studium.iar.unicamp.br/africanidades/koutsoukos/2.html) certamente adornada com as jóias da mãe do garoto.

Esse mesmo retrato consta da capa do livro História da vida privada no Brasil 2 - Império: a corte e a modernidade nacional de Luiz Felipe de Alencastro (org.). Por sua vez, esse livro explica que pelos idos de 1850 começa a surgir na Europa um movimento pela amamentação maternal: “há toda uma discussão sobre as vantagens do aleitamento materno, a fim de garantir melhores cuidados ao bebê e, supostamente, transmitir-lhe, pelo leite, as qualidades culturais de sua mãe.”

No Brasil, impulsionado pelo preconceito racial, o movimento pelo aleitamento ganha ares de campanha a ponto de um jornal paulistano “esclarecer”, em 1853, (estou citando o livro História da vida...) o seguinte: “O infante alimentado com o leite mercenário de uma africana, vai, no desenvolvimento de sua primeira vida, aprendendo e imitando seus costumes e hábitos, e ei-lo já quase na puberdade qual outros habitantes da África central, sua linguagem toda viciada, e uma terminologia a mais esquisita, servindo de linguagem”. Os exemplos são: caçula, cabaço, cafuné, pererê, fuzuê, etc.

E assim, acreditem ou não, foi a discriminação racial que motivou o aleitamento materno entre as mulheres brancas e, via de regra, ricas. Apesar da leve deformação no seio, a mãe podia transmitir a seu filho toda sorte de preconceitos com seu leite. Hoje em dia, as mulheres modernas contam com estímulos muito mais interessantes, como a prótese de silicone.

No entanto, embora as amas-de-leite tenham sido aniquiladas pelo preconceito racial, vigora e prevalece no Brasil uma discriminação mais complexa dirigida às empregadas domésticas e às babás, para as quais atribuímos paradoxalmente a proteção e a educação de nossos filhos.

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