domingo, 27 de março de 2011

A terceirização do amor (parte 2, final)

Resumindo o que foi dito antes: me parece bom para a criança que seus pais compartilhem sua educação com outros adultos responsáveis e capazes de oferecer boas referências e ótimos exemplos. Melhor ainda se esses “outros adultos” forem capazes de amar essa criança. Mas quando os pais admitem sua inaptidão para a maternidade e para a paternidade assumindo que não querem perder tempo com “pessoas em desenvolvimento” (que precisam aprender a comer, a se limpar, a ler, etc.) a melhor escolha é terceirizar a educação dos filhos, entregá-los a terceiros relativamente competentes para tanto.

Juro que não acho o cúmulo da irresponsabilidade esses “pais” que não conseguem se interessar pela infância de seus filhos. Acho que não preciso relembrar que faz menos de cem anos que as crianças viraram gente, antes disso eram consideradas na melhor das hipóteses um “projeto de gente” que podia ou não vingar. E para aumentar as chances desses “projetos” resultarem em adultos educados é que, justamente, foram criados, por exemplo, os colégios internos, para onde era enviada a filharada de modo que seus pais pudessem afastar as preocupações cotidianas que uma criança por perto inevitavelmente carreia. Ainda há colégios internos na Suíça e mesmo no Brasil, porém, já não gozam da mesma aceitação entre os ricos porque acabam evidenciando que os pais querem se ver livres e longes de seus filhos.

Uma pena porque, insisto, a melhor coisas que esses “pais” desinteressados podem fazer para seus filhos é oferecer a eles pessoas que se interessem verdadeiramente por eles. Pessoas que gozem da admiração e do reconhecimento desses “pais”, como avós, preceptores, tias, entre outros. Talvez um dia essa criança abandonada seja capaz de compreender que seus “pais” incompetentes ao menos tentaram honestamente lhe fazer um bem ao delegar sua educação a terceiros confiáveis e dignos da missão de ser pai e mãe (ainda que na terapia ela diga que teria preferido, se pudesse escolher, viver a indiferença de seus pais; certamente, com expectativa inocente de que seu amor e sua presença pudessem sensibilizá-los).

Muito pior fazem aqueles “pais” (também entre aspas) que não tendo a coragem de admitir sua incapacidade de amar seus próprios filhos resolvem fingir, por status ou porque está na moda, que dão conta do recado. E às vezes fingem tão completamente que acabam acreditando na ilusão que administram com ares de grande empresário. Fazem mal para a criança porque enquanto tentam dissimular a terceirização de seus filhos, ou melhor, o desinteresse pela infância, reproduzem toda sorte de preconceitos que desqualificam a atuação desses terceirizados.

Olha só se tem cabimento a conversa das madames ali no shopping de Rio Preto: “Pelo menos duas vezes por dia eu fiscalizo a troca de fraldas do meu bebê; e para verificar se a babá da noite (tenho três, uma a cada oito horas) faz tudo direitinho eu instalei uma câmera com infra-vermelho em doze pontos do quartinho”.

E aí esses “pais” que não compartilham a educação de seus filhos porque a empregada é “preta”, é “pobre” e “é burra” acabam dando um nó na cabeça das crianças: pois como é que minha mãe e meu pai podem me deixar com uma pessoa em quem não confiam e tampouco atribuem qualquer valor? Este é o paradoxo de que falava no final da parte 1, postada dias atrás.

É claro que uma criança de sete anos não vai formular a questão tal como escrevi acima, mas não há dúvida de que ela vai sentir profundamente a contradição: “Por que meus pais tratam mal e vivem desconfiando da empregada que eles mesmos arrumaram para cuidar de mim?”.

É assim. Não tem jeito. É caminho sem volta. Se nos tornamos pais e mães — por desejo, por sorte ou por azar — só há duas coisas a fazer: tomar o rebento nos braços e fazer de tudo para que ele seja amado e feliz (inclusive, beber menos, trocar fralda, contar estórias, ler mais, reaprender a brincar, enfim, “perder tempo e dinheiro” com seus filhos) ou então passar a bola e deixar que outros, a quem atribuímos as qualidades que não dispomos, o façam. O que não vale é posar dissimuladamente como mãe ou como pai apenas porque posso pagar um batalhão de terceirizados comandados pelo poder de meus preconceitos.



Ponto final. Não vou nem falar mais da Fräulein.

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