sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Intra-uterinas (memórias de fora pra dentro da barriga)

            É meia-noite. Portanto já é sexta-feira. É hoje, logo mais às 3 horas da tarde, que faremos sua segunda ecografia.
            Ainda nem tive tempo de lhe contar sobre a experiência de nossa primeira ecografia ou mesmo sobre o ultrasom realizado em Catanduva. E aqui estou eu: bastante cansado, mas muito mais ansioso porque estou a poucas horas de lhe ver...
Tenho certeza de que será uma emoção imensa, certamente ainda maior do que a primeira. Até porque você está bem maior do que há quatro semanas atrás. Salvo engano você já tem 3 cm! Acho que a esta altura muitos de seus órgãos estão formados e você não mais se confunde com filhotes de mamíferos: sua mãe me disse que já pode ser chamado tecnicamente de feto. Aliás sua mãe também me contou que você quase dobra de tamanho a cada semana de gestação. O que é impressionante. Espero que você, depois de nascer, continue crescendo bastante; num ritmo menos acelerado, é verdade.
            É que eu gostaria que você fosse um pouco mais alto do que eu. Uns 15 centímetros estaria bom. Não que o mundo seja mais difícil para os baixinhos. Creio que consigo me sair bem com minha estatura. Acho que a única limitação que me foi imposta pela altura foi prosseguir no basquete. É verdade, você pode não acreditar (sua mãe até hoje não acredita e faz piada), mas seu pai jogou basquete; fui um ala medíocre, porém que joguei, joguei. No mais, ter um 1,70m nunca me causou transtorno ou impedimento algum (pensando bem, me intimidei diante de alguns mulherões que a vida me trouxe).
            Mas quero que você tenha 1,85 m tão somente porque acho mais bonito homens e mulheres com este tamanho. Ao menos hoje, estamos em 2003, o padrão estético vigente é este. Muito provavelmente algo irá mudar até que você venha a se  preocupar com sua aparência física — sendo homem tal preocupação só lhe acometerá em torno dos 15 anos, ou seja, em 2018; se você nascer mulher, a beleza vai lhe chegar mais cedo, talvez aos 7 (pensei na Paola, sua prima, que merece tratamento especial, por isso, falamos sobre ela um outro dia).
            Voltando à ecografia, amanhã é o dia de verificarmos se você está se formando direitinho, se não há nenhuma anomalia. É a tal da translucência nucal que, quando normal, afasta em 85% a chance da criança nascer com Síndrome de Down. Considerar essas possibilidades me deixe um pouquinho tenso. No fundo, devo lhe confessar, bastante tenso.
            A razão para tanta tensão é tão inextricável que nem ouso tentar desenrolá-la neste momento. Para essa conversa, ou melhor, para o que julgo ser “a” nossa conversa ainda não estou preparado; logo nem posso lhe prometer que conseguirei desenvolvê-la nestes meses que restam até sua chegada.
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            Quer saber, vamos mudar de assunto.
            Vou ler para você um texto que escrevi para os primeiros alunos que tive como professor de graduação do Curso de Direito do UniCEUB, no 2° semestre de 2001. Quem sabe a história diga algo sobre você, pois, tal como eu, seu nascimento está previsto para dezembro.

Minha (quase) história de Natal

            Como minha irmã havia nascido em dia primeiro do ano, o médico que faria meu parto convenceu minha mãe, com irrestrito apoio de meu pai, para que me trouxesse ao mundo no dia 25 de dezembro de 1973. Assim as crianças (eu e minha irmã), nascendo em datas tão significativas, já teriam de antemão sentidos que justificassem suas vidas. Todos os que anuíram com a data estavam convencidos de que o meu nascimento, por um lado, renovaria a crença nos preceitos do cristianismo a atualizaria a aliança de meus pais com seu Deus. Por outro lado, acreditavam que dar à luz no dia de natal é atribuir um sentido místico e absoluto à criança que nasce, é atribuir a ela uma história bastante antiga. Noutras palavras: a criança que nasce, no seio de uma família cristã, no dia 25 de dezembro já nasce com dois mil anos de idade e com algumas preocupações. Pois, se é bastante cômodo para os que se sentem a quarta parte da santíssima trindade, costuma ser um fardo para aqueles que vivem esperando (aterrorizados) o anúncio de sua crucifixão.

Mas, como “há mais mistérios entre o céu e terra do que julga nossa vã filosofia”, dia 23 de dezembro de 1973 minha mãe teve de ser internada porque sua “bolsa” (até hoje não sei bem onde termina a placenta e começa essa tal bolsa) havia rompido. O médico, que planejara a cesariana para o Natal, teve de antecipar o parto (ou melhor, o parto antecipou o médico).

Eis que, tudo posto para cirurgia, surpreendentemente minha mãe entra em trabalho de parto. Sem hesitar, o médico suspendeu a cesariana e prontificou-se em “auxiliar” a Natureza naquele inextricável processo.

Conta minha mãe que ela não teve de sofrer muito para parir porque, por incrível que pudesse parecer, eu estava prontinho, o bebê certo no lugar certo e ¾ como logo após saberíamos ¾ também na hora certa. Pois “errada” havia sido a hora marcada pelo médico e não a hora em que decidi viver. Mas isso, só viemos a saber quando, ao deixar o ventre de minha mãe, o médico pôde ver que eu estava com duas voltas do cordão umbilical em meu pescoço. Ou seja, caso eu permanecesse mais um dia ou até o Natal, como fora planejado, não haveria Natal algum para mim.

Mas, como vocês puderam constatar no segundo semestre deste ano, eu sobrevivi. Na verdade, vivi; e hoje, aqui estou eu, 28 anos depois (hoje estou fazendo aniversário), tentando lhes contar esta minha (quase) história de Natal por dois motivos.

O primeiro, e o mais evidente, é porque é Natal. E no Natal as pessoas que se gostam costumam celebrar juntas e comemorar significados que são muito importantes para todas elas. E como comemorar é o mesmo que “lembrar juntos”, gostaria de poder lembrar, ou melhor, compartilhar com todos vocês ¾ meus primeiros alunos de graduação ¾ essa minha primeira lembrança de vida.

Bom, o segundo motivo pelo qual lhes ofereço esta história diz respeito ao fato de que com o decorrer dos anos ela foi se transformando numa “lição de vida” discreta, porém, fundamental. Aí, com minha cabeça de professor pensei: se é uma “lição” para mim, pode ser útil para os meus amigos alunos. Assim espero.

Então, vamos lá.

A lição pretende ensinar que não devemos desistir de viver quando as coisas parecem não sair como planejado ou quando nos sentimos com a corda no pescoço. Pelo contrário, devemos é resistir mesmo quando nos faltam imediatamente sentidos ou razões para tanto, isto é, mesmo quando não sabemos ao certo o porquê de estarmos lutando ou temos a impressão que lutamos só; e que até Deus nos abandonou. Nessas horas é que devemos agir como a criança que quer nascer: devemos romper a “bolsa”, cortar alguns vínculos e no mesmo instante chorar pedindo por amor. Até porque no momento seguinte já teremos nascido e então... basta abrir os olhos e ver que temos uma vida toda pela frente com os significados que nós mesmos desejamos dar.

            Bom, acho que vou lhe dar um beijo de boa-noite (na barriga de sua mãe) e, enfim, tentar dormir. Amanhã continuamos.

Escrito em 30 de maio de 2003

2 comentários:

  1. Nossa Du, como vc escreve bem!! E é tão parecido com a Mi, aliás não podia ser diferente, né... me fez lembrá-la na faculdade, com suas crenças e convicções tão parecidas com as minhas também... acho que foi por isso que ficamos amigas... O blog está o máximo, tenho lido sempre!! Parabéns a vc e sua familia linda!! Vcs são uma inspiração pra mim! Hoje seu post me emocionou, talvez pelo momento que eu esteja vivendo (tentando engravidar), me fez lembrar da minha primeira gestação e de tudo que vivi até aqui. Parabéns! e Obrigada!! Beijo grande na Mi!! Muitas saudades dela!! Abraço respeitoso pra vc, e beijos nos meninos! DRÊ (Andrea Ortolan)

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  2. Coooooomo asssimmmm????? É assim que ficamos sabendo da notícia??? Valeu, hein?
    beijão pra todos (quantos são, mesmo??)
    moni

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