sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Homem precisa viajar

Para Aurinha

            Li o livro Mar sem fim de Amyr Klink por causa deste trechinho que conheci numa apostila escolar (era uma questão de vestibular) de minha sobrinha Paola:
Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver.
            Não é preciso dizer que o livro de Amyr tem outras tantas coisas bonitas de ler e de ver (desenhos de baleia, fotos de geleiras, cartas náuticas e uma foto de suas filhas na praia de Jurumirim...). Mas esse pedacinho aí de cima considero especial. Vale um quadro e muito mais.
            Porque essas palavras contêm uma sabedoria antiga, transmitida de pai para filho há séculos. As palavras revelam e, ao mesmo tempo, preservam a essência do que somos nós, os homens.
            Estou me referindo a homens como gênero. À essência do que é masculino, desde a antiguidade. E olha que sou cheio de pruridos para falar em essência, porque acredito piamente que os seres humanos são aquilo que querem ser, nos limites da História, evidentemente. Talvez seja a única exceção que eu faça: um homem se constitui dessa necessidade de viajar, de se conhecer nos limites seus e do mundo.
            Sem forçar a barra é possível encontrar evidências em todas as culturas e em todos os tempos. Do nomadismo à volta de bicicleta no quarteirão, passando pelas grandes navegações. Um homem [é aquele que] precisa viajar.
            Para “criar meninos” é fundamental saber disso. Meu pai, com sua simplicidade, soube me soltar e me deixar partir. Mas sempre cuidou para que eu voltasse, ou melhor, para que eu não morresse na jornada (o ponto não é atrair o filho para a casa, mas cuidar para que fique vivo e possa retornar). As vezes de um jeito sutil — me dizendo “sua cabeça é seu mestre” —, as vezes de forma contundente — pedindo a alguém para zelar por mim.
            É o que tento agora fazer pelos meus filhos.
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O mais engraçado é que sendo um “homem do caminho”, como me revelou em 1992 uma cigana da rua General Jardim lá de São Paulo, agora que sou pai fico angustiado só de pensar em viajar sem os moleques.
Não gosto de dormir fora da casa. Volto sempre, nem que seja muito tarde; chego, pelo menos, a tempo de cobrir os meus filhos e apagar a luz do corredor.

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