quinta-feira, 8 de julho de 2010

Filhosofia de vida ou religião?

Ontem, quarta-feira, no prédio onde moramos fizemos uma “hamburgada” para as crianças. É a segunda vez que realizamos essa espécie de festa na churrasqueira reunindo umas 15 crianças, uns 3 adolescentes e uns 10 adultos. Grelhamos os hambúrgueres, preparamos os pães e, de sobra, nos divertimos um bocado. A meninada brinca e a gente congrega parte da vizinhança.
É daquelas coisas na vida que a gente investe pouco tempo e pouco dinheiro para ganhar um montão de felicidade, um bocado de razões pra viver.
Por essas e outras que fico pensando se esse amor incondicional que sentimos pelos nossos filhos é apenas filhosofia de vida (um modo de viver) ou, de fato, é a mais profunda forma de religião (um modo de me religar comigo mesmo por meio do outro, que é meu filho).
Evidentemente, não estou falando dessa religião com igrejas, templos, ritos, dízimos, passes, despachos, pastor, ovelhas, leitoas, quermesses e toda sorte de bugigangas institucionais. Isso não tem nada a ver com o amor pelos filhos que, diga-se de passagem, é muito superior a qualquer fé em Deus, em qualquer deus. Ou alguém em sã consciência teria coragem de matar o próprio filho para demonstrar obediência (amor?) a Deus? O sacrifício de Isaac há tempos já não serve de exemplo para nenhum cristão de verdade; a tentativa de homicídio praticada por Abraão contra seu único filho tem prestado apenas para desqualificar o Antigo Testamento (e Saramago o faz com fina ironia em seu livro Caim) e ara expor suas vergonhas. Mas também não é o que vem ao caso aqui.
Quero somente ressaltar o quanto dependemos de nossos filhos para nos manter ligados à vida, para acreditar que vale a pena viver. Religião nesse sentido. É tão profunda essa dependência existencial que não há palavra que designe (ou que admita) o seu término. Explico com dois exemplos. Se perdemos esposa ou marido ficamos “viúvo”, essa é a palavra para designar a condição de “sem marido ou sem esposa”. Se perdemos nossos pais ficamos “órfãos”, isto é, “sem pai e/ou mãe”. Agora se perdemos nossos filhos não há (ou ignoro completamente) uma expressão em língua portuguesa que caracterize essa situação de “sem filhos”.
Desconfio que não há palavra alguma que designe a condição do pai que perde o filho, porque quem perde o filho perde por conseqüência a ligação com sua própria existência, perde portanto a capacidade de se religar à vida, enfim, fica morto. Talvez seja essa a única palavra disponível. Morto, ainda que chore por muitos anos.
Talvez não seja só filhosofias...

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