quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ainda sobre publicidade, consumo e criança

Disse na penúltima postagem, comentando um comentário, que o ponto (ou o cerne) de minha oposição à publicidade que aterroriza crianças a pretexto de produzir consciência ecológica é, na verdade, a “‘educação’ pelo choque e pelo medo”. É contra isso que me levanto. Contra essa perspectiva anti-pedagógica lançada sobre as crianças, quase sempre, sem o consentimento e a intermediação dos pais.

No fundo, sou contrário a que qualquer adulto estranho ao nosso ambiente familiar (que inclui, além dos parentes, também professores e pessoas amigas) mantenha com meus filhos relações diretas, isto é, sem a minha participação e/ou da mãe. Não aceito, por exemplo, que alguém ofereça balas para o meu filho sem minha autorização, ainda que esteja vestido de papai Noel. Muito menos admito que qualquer médico atenda meu filho sozinho em seu consultório. E tampouco conceberia a hipótese do meu filho servir a Deus como coroinha e passar horas apenas com o pároco na sacristia.

Nessa mesma linha de “relações diretas” é que coloco a publicidade, qualquer publicidade. Tanto faz aquela com pretensões educativas quanto aquela outra destinada a incutir na criança um desejo incontrolável de consumir brinquedos, doces, maquiagem, carros de luxo (sim!), status, etc.

Pois, se não permito que estranhos ofereçam pessoalmente qualquer coisa aos meus filhos sem minha aprovação, como poderia aceitar que o fizessem pela televisão? Certamente, é uma relação — diria — menos direta e, portanto, menos grave. Mas igualmente inaceitável. Por que cargas d’água o fabricante de brinquedo, por exemplo, tem que se dirigir diretamente (pela propaganda da tevê) ao meu filho se ele não tem capacidade de discernir sobre a qualidade, a utilidade e a necessidade do produto?

O Código de Defesa ao Consumidor tem resposta para essa pergunta. Está lá no parágrafo 2º do art. 37 da Lei, já mencionado noutra postagem. Os publicitários têm a criança como alvo (target, o inglês aqui é revelador) da propaganda porque querem se aproveitar de sua “deficiência de julgamento e experiência”. E é por essa razão que o esse Código diz que essa publicidade é abusiva. Que me desculpem meus poucos (os que sobraram) amigos publicitários, mas não há como dourar a pílula: não vou nunca compará-los aos pedófilos, porém é inegável que a publicidade dirigida à criança também se trata de uma prática abusiva. Em sentido amplo, também é sacanagem.

Veja bem, não estou nem discutindo o conteúdo da mensagem ou a qualidade do produto oferecido. Não é essa a questão. O problema está na desconsideração da mediação necessária dos pais e responsáveis pela criança. Seja qual for a oferta: um abraço ou mesmo um cigarro. É indispensável que os pais possam se colocar entre o ofertante e a criança. Afinal, somos nós que respondemos primeiramente pela educação de nossos filhos; não o Estado, não a empresa de televisão e muito menos a agência de publicidade.

Isso não significa que apenas os pais sabem educar seus filhos. Mas até que se prove o contrário, são os pais as pessoas mais indicadas para decidir sobre a educação de seus filhos. Além do mais é o que nos garante a Constituição do Brasil.

Pode até ser que eu e minha esposa tomemos a decisão de deixar o João Pedro ser bombardeado junto com a gente pela publicidade apelativa voltada para o dia das crianças. Do mesmo modo que podemos decidir levá-lo ao cinema para ver um filme classificado como inadequado para a sua idade. Porque através da nossa mediação acreditamos que algumas mensagens e alguns conteúdos impróprios podem até nos ajudar a reafirmar valores fundamentais.

Tenho um amigo, Guilherme Canela, que dizia o seguinte (na época em que defendemos juntos a criação da nova Classificação Indicativa) quando questionado sobre o porquê uma criança poderia ouvir seus pais lhe contarem uma estória violenta e cruel como Chapeuzinho Vermelho, mas não poderia assistir sozinha um filminho impróprio para sua idade:


[...] Quando a criança lê ou ouve um conto de fada, utiliza tudo que seu atual estágio de desenvolvimento (vivências, inserção social e cultural, ambiente familiar etc.) lhe oferece para construir simbolicamente, para imaginar, aquilo que está lendo ou ouvindo. É exatamente esse exercício que se mostra fundamental para a elaboração de seus próprios medos, angústias e receios.



Entretanto, quando são os adultos – valendo-se, muitas vezes, dos mais modernos recursos tecnológicos – que oferecem as imagens que a imaginação da criança deveria produzir, podemos ter uma situação completamente distinta, que escapa do estágio de desenvolvimento desta ou daquela criança. Ou seja, uma coisa é um menino ou uma menina de 4 anos reproduzir mentalmente as cenas de Chapeuzinho Vermelho narradas pelos seus pais; outra, muito diferente, é o diretor de cinema Quentin Tarantino fazer o mesmo. A partir da releitura adulta dessas narrativas infantis, não será mais a criança com suas próprias potencialidades e limitações – advindas de seu contexto social e histórico e de seu grau de desenvolvimento biopsicológico – que estará criando as imagens dos contos que lê e/ou ouve.


No fim, parece que sou mesmo radicalmente contra essa publicidade dirigida abusivamente à criança. A culpa é do Alana.


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